Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras fatigadas de informar.
Dou mais respeito às que vivem de barriga no chão, tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes e aos seres desimportantes.
Prezo a velocidade das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática: eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.
Manoel de Barros, em O apanhador de Desperdicios
15 de fevereiro de 2009
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