31 de janeiro de 2010

"Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:

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a) que o esplendor da manhã não se abre com a faca;

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b) a forma como as violetas preparam o dia para morrer;

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c) por que é que as borboletas de tarja vermelhas têm devoção por túmulos;

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d) se o homem que toca de tarde a sua existência num fagote, tem salvação;

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e) que um rio que flui entre dois jacintos carrega mais ternura que o rio que flui entre dois lagartos;

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f) como pegar na voz de um peixe;

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g) qual o lado da noite que umidece primeiro;

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etc.

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etc.

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desaprender oito horas por dia ensina os princípios
".

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Manoel de Barros

25 de janeiro de 2010

a semana que passou...

entre esgoto, indignação e descaso,
na Zona Sul de São Paulo.



A luta do Jd. Lucélia/Vila Nascente from cocaialuta on Vimeo.


24 de janeiro de 2010

ontem,

tomando café com essa mulher linda.
Ela cantando pra mim e pro Lucas...


23 de janeiro de 2010

22 de janeiro de 2010

"e as águas de março nem chegaram..."

Katita Reis hoje cedo

MIL GRAUS NA TERRA DA GAROA


por Sergio Vaz

São Paulo é uma cidade no cio. Por isso, transa com todo mundo e em todos os lugares. É bonita porque é feia, e como toda feia que se preza, beija mais gostoso. Que os Vinicius me perdoem, mas feiúra é fundamental.


Do alto do prédio ou na superfície da alvenaria, a cidade dói nos olhos dos inocentes que transitam nas calçadas. De onde eu a vejo, minhas retinas são seletas e, de como eu a vejo, as esquinas são espertas.

A cidade de São Paulo, que está no mapa, não é toda daquele tamanho, muita gente já tirou um pedaço, que faz muita falta na mesa do jantar, ou depositou em conta corrente, que nada contra a corrente, de quem ama esse lugar.

Essa maçã mordida que a massa não come, constrói o luxo que alimenta o lixo escondido debaixo do tapete. Essa cidade não é minha e não devia ser de ninguém, mas ela existe, e todo ano faz aniversário. Longe do estupro a céu aberto eu costuro meu poema sobre a torre de babel, que samba o rock triste, deste carnaval de concreto e de garrafas fincadas no chão. O cartão-postal do meu coração não despreza o centro nem esconde a periferia. São Paulo pra mim é pagode com feijoada nos botecos que brotam nas ladeiras. É samba da vela, elétrico nos trilhos de santo Amaro até o samba da hora atrás da batina da Igreja da Estrada do M'Boi Mirim. É ser Rap Soul funk ou metal de primeira. E segura o Peão que corre a cavalo na pista dos bares de Interlagos onde a Primavera começa toda sexta.

É cantar de galo nas Rinha dos Mcs no Grajaú onde o Criolo Doido não tem nada de louco. É sarau da Cooperifa no quilombo do Jardim Guarujá, onde a poesia nasce das ruas sem asfalto, em plena quarta-feira... a literatura do morro arranhando os céus da cidade. Ô povo lindo, ô povo inteligente!

É comprar livros nos sebos e ensebar nos bancos da praça ou do metrô, até o Jabaquara. É ler Brasil de fato com os caros amigos dos Becos e vielas dentro do ônibus ou na fila de espera. É ser Um da sul e ser 100% favela, e se é por ela, deixa a bússola te levar.

É assistir a Glauber Rocha no cine Becos que é cinema novo para galera do Jardim Ângela, que é truta do jardim Ranieri. Ou dançar samba de côco no Panelafro, onde Zumbi impera no largo de Piraporinha. É jogar futsal nas quadras das escolas públicas, quase abandonadas pelo alfabeto. É conspirar a favor, tomando cerveja gelada no bar do Zé Batidão. É Carolina de Jesus de Jéferson De, saindo da tela. É as mina de vestidinho e chinelo de dedo no churrasco em cima da laje.

É comer pipoca sem pipoco na quermesse da Vila Fundão, no coração do Capão. É a rapaziada nos campos de várzea de canela em punho maltratando a bola ou sendo maltratada por ela. É Poesia do Binho no Campo Limpo, pra se livrar das sujeiras. É ver os sonhos se realizarem na Casa do Zezinho onde as Marias também são vem-vindas.

É ser preto ou branco, tanto faz, mas principalmente verde, que é a esperança da paz. É o ensaio da Vai-Vai e das outras escolas unidas do morro. É Amado batista no Vila Sofia, à capela, no Socorro a caminho da represa de Guarapiranga. É comer peixe na barraca do Saldanha. É Levar os espinhos na Casa das rosas para colher cravos e margaridas que nasce no Jardim das Rosas. É não ouvir cd pirata nem original, quando o mesmo for caro.

É ser enquadrado somente pelas lentes do Marcelo Min, QSL?

É ser "nóis vai", mesmo quando a gente não for. É Falar errado, mas agir correto.

É curtir o sol mesmo quando ele não vem -e encontrar sempre as mesmas pessoas no muro das lamentações. É empinar pipa nos dias sem vento.

É viver mil fitas e ser mil graus na terra da garoa.

Enfim, São Paulo é isso, mas também tem outros lugares.

21 de janeiro de 2010

E até agora nenhum posicionamento do Poder Público...

notícias dos lados de cá...

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Moradores do Jardim Lucélia realizam manifestações contra calamidade municipal

A população do Grajaú, extremo sul de São Paulo, passa por momentos difíceis. Não bastasse as ameaças de remoção e a criminalização em vários bairros, por parte da Prefeitura e do Governo Estadual, agora os alagamentos se tornaram freqüentes.
E foi contra esta situação que se levantou a comunidade do Jd. Lucélia. Situada próxima a um córrego recém urbanizado, após remoção de famílias no Jd. Toca, a comunidade já havia sido tomada pela água no dia 9 de janeiro deste ano e o foi novamente no dia 19, no inicio da noite. Nas duas vezes a população tentou acionar bombeiros e defesa civil, sem sucesso! Tiveram de contar somente com a ajuda de quem não teve a casa destruída. A água, desta vez, atingiu dois metros de altura em alguns lugares, destruindo casas e pequenos comércios da população. Assim como as comunidades XIX e XX, que, inclusive, foram duramente reprimidas durante manifestações ocorridas na mesma noite do dia 19, quando a Tropa de Choque chegou a ocupar a favela atirando bombas e disparando balas de borracha contra a população, sem observar a presença de crianças e idosos no ato, tirados de suas casas pela enchente, nesta segunda vez a população do Jd. Lucélia não conteve a revolta e bloqueou a Avenida Dona Belmira Marin, com barricadas feitas com os móveis destruídos pelas enchentes. A PM foi acionada e houve confronto, sendo que a 1h da manhã a Tropa de Choque chegou ao local e dispersou a manifestação.
“os bombeiros só vieram pra apagar o fogo nas barricadas!” disse Elaine, 21 anos, moradora da comunidade desde que nasceu. Elaine diz, também, que “Nunca houve enchente aqui! Começou depois da obra de urbanização do Córrego no Jd. Toca!”
Outros moradores disseram, também, que o córrego foi estreitado após as obras, que hoje tem aproximadamente 4 metros de largura, tinha cerca de 10.
Pela manhã, já no dia 20, a comunidade se organizou e bloqueou novamente a Avenida Dona Belmira Marin, esperando alguma atitude da Subprefeitura da Capela do Socorro. No entanto, o máximo que conseguem, dizem, são promessas de receber cestas básicas ou colchões, mas que precisam ser retirados na Subprefeitura pelos próprios moradores.
Pra completar o desastre, a Sabesp iniciou obra na estação de tratamento Alto da Boa Vista, que deixou a região do Grajaú, entre outras, sem água até sexta-feira. Além da perda de móveis, roupas, eletrodomésticos e mantimentos, a população ainda sofre sem água para beber ou limpar o lodo das casas.

Acordos Vazios
Na meio do dia, moradores da comunidade foram até a Subprefeitura da Capela do Socorro, na esperança de conversar com o Subprefeito Valdir Ferreira e obter ações e respostas sobre a situação da comunidade. A principio a guarda municipal tentou impedir a entrada da população na Subprefeitura, que encontrou-se ali com moradores das favelas XIX e XX, também arrasadas por inúmeras enchentes sem solução ou causa aparentes. Após a entrada na subprefeitura, novamente a população recebeu a notícia de que o Subprefeito não estava. Atendidos pelo Chefe de Gabinete, a população apresentou suas necessidades e reivindicações, todas rechaçadas pelos representantes da Subprefeitura, que alegam falta de estrutura para atender a todas as comunidades atingidas. O máximo que conseguiram foi o compromisso, verbal, de limpeza e desassoreamento dos córregos para evitar novas enchentes. Voltando pra casa e observando que nem as mínimas promessas seriam cumpridas, a população se preparou para mais uma manifestação, a terceira em menos de 24 horas.

Nova Manifestação
Sem resposta sequer sobre a retirada do entulho gerado pela enchente, por volta das 18h, a população iniciou nova manifestação bloqueando a Avenida Dona Belmira Marin. Os móveis destruídos formaram barricadas, desta vez fechando vários pontos da avenida e acessos no entorno. Com o horário de pico, logo o congestionamento atingia kilometros.
A polícia chegou ao local e foi hostilizada com pedras e gritos de “chega de mentiras!” e “queremos solução!”. O Tático da PM chegou ao local e disparou balas de borracha contra os manifestantes, sob apoio do helicóptero águia. Após um principio turbulento, as coisas estabilizaram e começaram os diálogos entre polícia e moradores. O Capitão da PM Marcondes foi o responsável pelas negociações. Foram vistos vários Policiais sem as tarjas de identificação. A exigência da PM era a liberação da avenida, que os moradores condicionavam a criação de algum canal de comunicação com o poder público ou ação real da prefeitura sobre a situação da população atingida. Sem chegar qualquer acordo, a PM se preparou pra reprimir a manifestação e uma parte dos manifestantes, vendo que não teria mais alternativas, tomou um ônibus e o incendiou, utilizando-o também como barricada. Um grupamento da PM, vindo do lado oposto ao que se encontrava a formação já estabelecida, iniciou uma ação de dispersão contra os manifestantes próximos ao ônibus. Houve principio de confronto, mas sem grandes desdobramentos.
A situação foi se estabilizando e por volta das 21h, com a chegada do corpo de bombeiros, foi acordado o fim da manifestação e a liberação da avenida sem hostilizações, nem por parte de manifestantes, nem por parte da PM.

Ações
Apesar do desfecho sem novidades para a população, a comunidade Jd. Lucélia promete organizar-se e exigir do poder público, a devida atitude sobre as enchentes na região. Unida as causas do Jd. Brejinho, Jd. Toca, Cocaia I, XIX e XX, a população pretende se ajudar mutuamente e obter respostas e reparações à todas as comunidades da região da Capela do Socorro.

http://cocaialuta.zip.net/

19 de janeiro de 2010

15 de janeiro de 2010

Nem prosa, nem poesia.

E nestes dias de nariz e alma congestionados. Tão sem música e sem palavras. Me alimento daquelas que traduzem a língua que é falada aqui nestas terras. Como as de Mia ou da Dinha, como as Secas e Molhadas, como as de Itamar. E foi com um gosto na boca, sem tradução racional que reli esse livrinho de palavras resistentes e nada reticentes. Capturei. Talvez por estes dias de chuvas que lavam almas ou levam cidades, nas enxurradas que levaram tantas palavras de meu abecedário. Talvez porque "ninguém é cidadão" nem aqui, nem no Haiti, nem pra Milton. Talvez pela surdez de ouvidos que escutam ou pelas cegueiras ensaiadas, automaticas e reais. Talvez porque dizia Samuel que a indignação era aquela "mosca sem asas". Talvez porque mesmo assim a chuva molhou desejos. Talvez porque mesmo assim a lua apareceu cheia, branca e arrepiou pêlos e sonhos. Talvez porque queira plantar girassóis.

Então ai vão os escritos da Dinha, "De passagem mas não a passeio" (ah! e dá pra baixar aqui)


I

O ano novo injetou no calendário
nova dose de veneno.
Nos convulsionamos todos
violentamente.

O amor foi atirado
na janela do vizinho:
Fruta podre quebrando
a vidraça do teu peito.

Tentaste juntar os cacos
mas o resultado
feriu tuas mãos vazias.

Então erguemos os olhos e vimos:
Multidões de mãos feridas
Te acenavam como num sonho...

II

O ano entrou chorando
Ou nós é que bebemos
E não vimos que era chuva
O que parecia choro?

O amor foi prolongado
Como um segredo
Dito no ouvido de um homem do povo?

O amor foi quebrado
E é a base de tiros
Que ele sangra.

III

O ano novo entrou correndo
assustado pelos becos.
Entrou com fome.
E as ondas do mar, no mar
Cheiravam sangue.

A esperança que ele trouxe
Em pouco tempo fedia
A escárnio e peixe podre
- por isso anda escondida
nos necrotérios domésticos
das geladeiras e freezers.

Mas o ódio não é capaz
de apontar lugar seguro.
Plantaremos girassóis
Pra espantar esse céu cinza.